Fotografia Bossa Nova – 80 anos de João Gilberto

[13.jun.2011]

Na semana passada, João Gilberto completou oitenta anos de idade, mais de cinquenta deles como um dos mais importantes intérpretes da Bossa Nova. Ouvindo suas músicas, reencontrei uma gravação que ele fez de Fotografia, composição de Tom Jobim. Há várias canções com o mesmo título (de Victor & Leo a Ana Carolina) mas, enquanto outros compositores apenas olham com nostalgia para uma foto, Tom Jobim é o único que fotografa: em sua Fotografia, ele efetivamente capta uma cena, talvez duas, uma no fim da tarde, outra na madrugada. Também ele está guardando instantes memoráveis mas, nesse caso, a fotografia está dedicada à intensidade do presente.

Eu, você, nós dois / Aqui neste terraço à beira-mar / O sol já vai caindo e o seu olhar / Parece acompanhar a cor do mar / Você tem que ir embora / A tarde cai / Em cores se desfaz, / Escureceu / O sol caiu no mar / E aquela luz / Lá em baixo se acendeu.

Eu, você, nós dois / Sozinhos neste bar à meia-luz / E uma grande lua saiu do mar / Parece que este bar já vai fechar / E há sempre uma canção / Para contar / Aquela velha história / De um desejo / Que todas as canções / Têm pra contar / E veio aquele beijo.

Com frequência, fala-se da leveza da Bossa Nova, e de certa ingenuidade na forma como aborda as coisas, as paisagens, os sentimentos. Parece ser alguma coisa que nasceu cantarolada de improviso, falando de fatos ou sentimentos circunstanciais (mesmo quando se trata de amor ou melancolia). Tudo parece simples. Mas é, na verdade, o olhar complexo de quem não precisa rebuscar as coisas para ser profundo. Tem algo a ver com a fotografia ou, pelo menos, algumas fotografias, que produzem alegorias densas e atemporais com fragmentos de banalidades.

Em Retrato em branco e preto, o mesmo Tom Jobim (junto com Chico Buarque, e também na voz de João Gilberto) já tinha percebido a analogia entre as imagens cantadas pela poesia e pela fotografia: Vou colecionar mais um soneto / Outro retrato em branco e preto / A maltratar meu coração.

Outro par de versos memoráveis de Jobim cantados por João Gilberto: Fotografei você na minha Rolleiflex / Revelou-se sua enorme ingratidão. É uma imagem que fala de uma imagem. “Na minha Rolleiflex” é uma expressão coloquial, mas poderosa: representa uma época romântica, da música e da fotografia, e sugere um amadorismo sofisticado de alguém que fotografa ocasionalmente, mas com tal envolvimento que a câmera é capaz dar a ver um sentimento.

Tom Jobim foi um grande idealizador de imagens. João Gilberto deu a elas um suporte, definindo com voz e violão a moldura mais marcante da Bossa Nova.

João Gilberto e Tom Jobim. Foto de Indalecio Wanderley.

Sem Tom Jobim, e com um João Gilberto aos oitenta anos, sempre mal-humorado, essas imagens já parecem de outro tempo. Mas olhem de novo para a Fotografia que eles nos mostram. Já sugeri que são duas, talvez. Mesmo assim, olhem bem, e digam se essas imagens não se mexem: “O sol já vai caindo (…) Escureceu (…) O sol caiu no mar” ou “Sozinhos neste bar a meia luz (…) E veio aquele beijo”. Parece só um velho álbum, mas essas imagens lidam de forma complexa com o tempo. É fotografia expandida.

 

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jornalista, pesquisador, doutor em Artes pela Universidade de São Paulo (ECA-USP), professor e coordenador de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado (Facom-FAAP).

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